Era domingo e lá estavam todos só contando
os minutos, afinal era o clássico. Ainda nem eram 4 da tarde e a cerveja gelada
corria solta, a carne minguando na churrasqueira e o rádio anunciando a
escalação do Piraporinha contra Monte
Colina. Todo o estado se agitava para o duelo mais importante da região, ainda
por cima era decisão, a finalíssima!
Melissa era Piraporinha roxa, batia no
peito e se engraçava ao falar do camisa 10 “um gato, olha que par de coxas”. E
não é que o marido era montense desde pequenininho, com tradição familiar e
tudo mais que manda o figurino dos aficcionados de carteirinha.
Na noite anterior, véspera do jogo, o clima
em casa já não era dos melhores. Ela tinha escutado o marido falando ao
telefone com um amigo “ vai ser uma lavada, a melhor campanha é nossa, mas não
queremos empate, pra cima deles é o nosso jogo!” Assim, sem perceber, Pablo já
estava causando a “dor de cabeça” da esposa na noite de sábado.
-
Mas hoje é sábado Melissa, nossa noite – se queixava Pablo.
-
Não, é não, minha cabeça tá doendo, ora bolas! – a moça não deu margem ao rival.
Na manhã de domingo os dois já vestiram o
uniforme de seu respectivo time desde cedo e no café já surgiram as primeiras
provocações:
- Ih, lá vem o outro com esse trapo mal
lavado, estamos precisando de pano de chão, meu amor. Eita timinho feio, um
bando de peladeiros! - Melissa atacava.
- Hahaha, é tanto medo assim, meu bem.
Cuidado, hein? Prepara o GPS que vocês vão perder até o rumo de casa – o marido
sabia se defender.
Na hora do almoço foi chegando a rapaziada,
o quórum já tinha sido negociado, dois torcedores pra cada lado. Cidinha e
Manuel, eram ambos montenses, já o Cléber e o Hamiltão eram Piraporinha.
Melissa já tinha preparado as bandeirinhas,
seu brincos com o escudo do time e o anel da sorte. Toda decisão que o
Piraporinha chegava e ela assistia o jogo com o anel no dedo médio da mão
direita era batata, caneco pra casa! Hamiltão manuseava o espeto com a
fraldinha no ponto, cortava uma lasca e tratava de suas estatísticas:
- No confronto direto, em finais, o
Piraporinha leva vantagem.
- Viu só Pablo? Já te falei mil vezes, são
15 vitórías pro Piraporinha, 10 pro
Monte Colina, vocês são fregueses! Melissa demonstrava dados e não gostava de
intrigas da oposição.
- Hahahaha, onde você conseguiu esses
números? No Wikipedia? Só pode ser, esse números são um disparate, nada a ver
com a realidade! Pablo cutucava mesmo se sabendo errado, só pra provocar a
esposa-rival.
Aos 35 do primeiro tempo os ânimos se
aqueceram ao máximo, um a um marcava o placar e um pênalti pra lá de duvidoso
foi assinalado na área do Piraporinha. Melissa soltando fumaça pelas narinas
xingava até terceira geração da família do árbitro. E não é que o Adaílson,
camisa 11 do Monte Colina converteu com um chute rasteiro, goleiro prum lado,
bola pro outro, armando o delírio da
torcida montense. Os três torcedores do Piraporinha ficaram de bico calado até
o final da primeira tempo...
No segundo tempo vieram as primeiras alterações
que surtiram efeito e o Piraporinha vinha pra cima, atacando pelas pontas e
gerando muito perigo nos cruzamentos e escanteios, mas Pedro Ceará, o goleiro
do Monte Colina, vivia um momento de grande inspiração, fazendo duas defesas
espetaculares. Nem o bonitão camisa 10 do Piraporinha agradou a fã número 1,
foi subsituído aos 27 do segundo tempo debaixo das vaias de Melissa:
- Já foi tarde pipoqueiro! Tira onda de
Cristiano Ronaldo, mas só joga bolinha de sabão! Melissa era implacável quando
o time não rendia.
Subia o Piraporinha pela ponta direita,
Marinho toca pra Kleberson, que lança uma bola longa pra Valtinho que faz um
cruzamento na pequena área nas mão do goleirão Pedro Ceará. Sem nem mais
esperar o guarda metas dá um balão e encontra o atacante Adaílson no mano a
mano com o zagueiro, depois de uma magistral canetinha fica cara a cara com a
meta e toca na saída do goleiro. Goooooool! Pablo se abraçava com seus
companheiros que pulavam já gritando “É Campeão” sem deixar de zombar da rival
que olhava o marido com sangue nos olhos.
Final de jogo para a alegria dos montenses.
Mais um título para celebrar, a volta olímpica dos jogadores, até uma sidra, daquelas de fim de ano, os
campeões estouraram para a grande irritação da anfitriã que não abandonava a
cara de poucos amigos:
- Não quero saber dessa champanhe barata molhando meu estofado, vão
comemorar pra lá, cambada!
Pablo estava tão contente que mal sabia do
jejum de títulos que acabava de conquistar com a esposa por muitas noites de
clássicos de amor até a próxima temporada.